Rubens Amador

Recordando episódios que a Segunda Guerra gerou - 1

Rubens Amador
Jornalista

Este trabalho nada mais é do que um registro despretensioso, um fragmento apenas triste da Segunda Guerra narrado por alguém que como eu, adolescente ainda, testemunhou aqueles dias da segunda conflagração mundial, embora distante do teatro de operações, mas que, nem por isso, deixou de mostrar no seu bojo a mesma intolerância, violência e ensandecimento coletivo, mazelas sempre presentes nos momentos em que o ódio prevalece sobre a compreensão e a tolerância mútua entre os povos.

Foram dois dias em que aqui em Pelotas, respectivamente em 18 e 19 de agosto de 1942, aconteceu o que ficou conhecido naquela época como o "quebra-quebra contra os alemães". Dominava um forte clima oriundo da Segunda Guerra Mundial. Além dos navios nossos que submarinos U-2 alemães afundaram em nossa costa, só se sabia da guerra pelos jornais, rádios, e pela escassez da gasolina, que era muito controlada em nosso País naqueles dias. Os automóveis passaram a ser acionados pelo "gazogênio", um tubo enorme que era fixado na traseira dos carros e queimava carvão. Os cinemas mostravam os horrores do sangrento conflito desencadeado por Hitler ao invadir a Polônia. Era um painel doloroso que a gente via e sentia, embora distante do verdadeiro drama que uma hecatombe sempre marca, com seu rosário de destruição, sofrimento e dor.

Os afundamentos de nossos navios na costa brasileira começaram a instilar um sentimento anti-germânico severo no espírito da gente brasileira. Dizia-se que nossos navios mercantes, e por isto desarmados, eram traiçoeiramente afundados pelos submarinos nazistas. Aí o vírus do ódio e da incompreensão, que corre tão rápido quanto a eletricidade, chegou ao nosso País. Chegou a Pelotas. Os cidadãos de origem alemã ou simplesmente alemães legítimos, aqui residentes, passaram a ser olhados com certa reserva. E, então, para chegar-se à calúnias em muitos casos, era coisa fácil. Denunciavam que fulano ou beltrano era nazista; que a cada navio nosso afundado pelos alemães eles faziam foguetório e comemoravam com champanhe; falavam em conspiração. Em suma, se algum motivo pequeno realmente aconteceu, a preparação psicológica instalada, o clima reinante e o cinema, que mostravam os nazistas como fanáticos perigosos, fizeram com que a gente pelotense, inclusive, ficasse condicionada contra famílias alemãs, até então seus vizinhos e amigos.

Nessa época eu tinha 13 ou 14 anos de idade, lembro-me bem. Mas jamais imaginei que pudesse ser testemunha daqueles fatos que se desenrolaram naqueles dois dias de ensandecimento coletivo, numa sequência tão rápida como aconteceu aqui em Pelotas. Uma bela tarde, saio de minha residência nas proximidades dos Correios, atravessando a Praça Cel. Pedro Osório em direção à rua Félix da Cunha. Assustado, deparo com uma cena inesquecível e dramática por sua violência: do alto das janelas do Hotel América, que ficava defronte a ex-Casa da Banha, na esquina, onde hoje há um edifício, uma dezena de homens enfurecidos jogavam do primeiro andar do hotel os mais variados móveis: camas, guarda-roupas, geladeiras, rádios, máquina de costura. Enfim, tudo que encontravam pela frente, no solo, pela rua Princesa Isabel, onde uma enorme fogueira ardia.

Era uma cena terrível. Assustado ainda, corri até minha casa, onde meu pai se encontrava, e ofegante disse-lhe: "Pai, os alemães enlouqueceram, bravos com a campanha que lhes movem, estão queimando tudo lá no Hotel América". Tratava-se de uma hospedaria muito conhecida na época, de propriedades de uma família alemã que, naquela hora ante a destruição de seus bens, já havia fugido. A polícia não intervinha, nem os bombeiros. E eu e meu pai ouvimos que já haviam outras firmas de alemães que naquele momento também estavam sendo incendiadas. Nisto nos deparamos com outra enorme leva de pessoas, com a bandeira nacional, e que gritavam: "Vamos no Willy, vamos no Willy!".

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